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http://fluirdeespumas.blogspot.com/2010/05/touradas.html


Touradas


Há uns tempos aderi ao grupo "Anti-Tourada" no Facebook (FB). Quando o fiz pensei que aderia a um grupo que utilizava o Facebook para debater com honestidade e sentido prático o problema das Touradas e eventos afins, numa óptica de esclarecimento e sensibilização, tendente a juntar mais e mais gente ao conjunto (crescente) de pessoas que desejam o fim destes espectáculos de sofrimento e morte em Portugal.

Infelizmente o grupo é muito mais utilizado para celebrar a morte ou os ferimentos sofridos por toureiros do que para cumprir os objectivos que - penso eu - deveriam orientar aquele espaço virtual no FB. Deixei de comentar e de contribuir para o "Anti-Tourada", e neste momento limito-me a acompanhar a publicação de links de notícias sobre esta questão.

As touradas são espectáculos deploráveis. Não têm futuro. É uma questão de tempo. Acontece que o tempo a que me refiro pode ou não ser encurtado pela actividade de grupos de activistas. Se a orientação destes grupos é minimamente pragmática e moderada, acredito que se possa reduzir o período até à abolição, por estrangulamento financeiro do sector, das touradas; se a orientação é radical (no pior sentido do termo), sádica e sem sentido prático, então os promotores de eventos tauromáquicos (que tanto lucram com eles) agradecem a troca de galhardetes, e extremam posições, apelando à manutenção das tradições, contra o radicalismo de grupos mais ou menos desprovidos de bom-senso.



A causa anti-Touradas padece de vários males, que acredito ser fundamental erradicar. Um deles diz respeito à "contaminação" da causa por outras causas e lutas, muito caras a uma parte das pessoas que se manifestam contra a tauromaquia, mas que em nada contribui para dar coesão do movimento e favorece-lo junto da chamada "opinião pública". Misturar touradas com abate de animais para consumo humano é confundir a beira da estrada com a estrada da Beira, retirando força - por contaminação de causas - ao esforço de abolição da tortura pública de touros no nosso país.

Outro problema fundamental é aquele a que já me referi neste postal: a celebração das mortes e ferimentos sofridos por toureiros. Naturalmente que, se alguém entra de livre vontade numa arena para enfrentar um touro (sangrado, enfraquecido e pré-torturado, todos o sabemos...), arrisca-se a regressar deitado, com ou sem vida. Não tenho pena de quem sofre na carne as consequências da sua actividade tauromáquica. Mas não celebro nem me causa particular gozo nenhuma espécie de sofrimento humano, e por isso acredito que é profundamente disparatado, e prejudicial ao esforço de abolição das touradas, reacções de regozijo a propósito de mortes humanas nas arenas deste mundo.

Não acredito numa abolição das touradas por via administrativa, mesmo tendo em conta que os chamados "aficionados" são cada vez em menor quantidade, e em pior qualidade. Acredito que as touradas cairão por si, quando forem financeiramente insustentáveis. E só o serão quando o esforço de sensibilização diminuir drasticamente os adeptos desta triste "tradição" nacional. É por esse caminho (ainda longo) que acredito que se levará a água ao moinho pretendido.







http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/tourada-e-tortura-nao-alimenta-nem.html
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Tourada é tortura. Não alimenta nem a barriga nem o espirito sofisticado.




O que é que um blogger de ciência tem a dizer sobre a tourada? Bem, acho que na realidade muita coisa. Sempre tenho defendido que a ciência nos pode ajudar a tomar melhores decisões morais e a fazer melhores escolhas.

E penso que para além da minha opinião pessoal de que a tourada é um espectáculo de horror e crueldade eu posso explicar porque é que ela é um espectáculo horror e crueldade, cuja apreciação requer uma frieza total em relação ao sofrimento do animal. Penso também poder argumentar que essa frieza, essa total desconexão com o que sente o animal, é um legado primitivo e que pessoas sofisticadas deveriam saber fazer melhor. Porque em regra, nós já não precisamos disso, e queremos uma sociedade solidaria com princípios de empatia. Que não podem deixar de se estender, naturalmente em menor grau, aos animais. Por uma questão de consistência e por uma questão de principio.

Não é de facto muito esperto, mas sente.

Não existem muitos estudos científicos específicos sobre a espécie bovina no que respeita à sua inteligencia ou desenvolvimento emocional. Sabemos com segurança que são animais que criam relações familiares. E que são animais sociaveis, e que têm reacções de demonstram empatia, medo, ansiedade, stress, dor, e ligações afectivas. São mamíferos. Têm um cérebro anatomicamente semelhante ao nosso, se bem que mais pequeno, mas ainda assim relativamente grande no contexto do mundo animal. São evolutivamente muito próximos de nós e isso diz-nos qualquer coisa do significado do seu comportamento.

Quem tem vacas como animais de estimação relata que são capazes de ligações afectivas também com as pessoas. (Googlem "Cow Pets"). Algo que é de esperar com um cérebro tão grande e tão semelhante ao nosso. Que é muito maior claro. Mas fundamentalmente tem as mesmas estruturas. Não se confunde com um cérebro de réptil ou de peixe, (embora as diferenças para as aves, se visto ao microscópio, sejam menos do que se pensava (1) o que pode justificar a grande capacidade cognitiva de animais como os corvos (2).

Existem razões para considerar a empatia, sentir o que o outro esta a sentir, como um dos fundamentos das relações sociais, ou pelo menos um factor motriz. Isso é referido mesmo quando se aborda o assunto da cognição animal, se terão eles empatia ou não (3). Existem estudos e relatos que sugerem que inúmeros animais sentem empatia ((3) ou pro-empatia) e como é de esperar os mamíferos estão bem representados. Não especificamente os bovinos, mas é plausível pelas razões anteriores que assim seja. Lobos que tratam dos velhos e doentes, chimpanzés que reconhecem traços faciais, cães que parece adivinhar o que nós queremos. Existem relatos de que as vacas percorrem grandes distancias para encontrar os seus bezerros. Mas a empatia intrínseca aos animais nem é muito pertinente. A nossa em relação a eles é que é.

A nossa falta de empatia pelos animais mais inteligentes e emocionalmente desenvolvidos como os mamíferos preocupa-me. Mostra-me que há pessoas que podem ser insensíveis à dor e ao sofrimento, mesmo que ele esteja la indubitavelmente. Que não têm escrúpulos ao ponto de tirarem prazer da tortura lenta. Dizem que é por ser um animal irracional. Mas o sofrimento, a dor, o stress, estão lá na mesma. Irracional ou não. E no entanto são cegas a isso. Devemos torturar os nossos semelhantes que forem pouco inteligentes? O que dizer de países reais com média de QI de 60? Devemos trata-los sem escrúpulos? Não acho nada.

Os bovinos são mamíferos. Quando se diz irracional não quer dizer irracional como em "a estrela do mar é irracional", ou "o peixe é irracional". E são emocionalmente mais perto de nós. Cerebros complexos sugerem processos complexos. Repito isto porque talvez a falta de empatia esteja relacionada com a ignorância. A ignorância de que o homem é algo absolutamente diferente dos animais, dotado de uma alma inventada (4) que lhe dará o direito de torturar a seu belo prazer. A ignorância de não ver em outros animais as mesmas sensações que nós temos. Talvez se vissem pudessem perceber que não é o ser irracional ou ser animal que conta. É o reconhecer que essas sensações estão lá. E saber o que elas significam. E dar importância a elas próprias. Para além do sujeito que as sente.

Respeitar os sentimentos.


Quando um touro entra na arena, para onde quer que olhe vê a mesma coisa. O recinto é redondo, algo que ele não consegue compreender. Sente e sofre, mas a inteligencia é limitada para compreender um recinto desenhado especificamente para criar este efeito. Fica perdido. O barulho de instrumentos musicais que ele não conhece confunde ainda mais e ajuda ao stress. Adrenalina e cortisol são libertados em altas doses. O sistema nervoso autónomo entra autonomamente em acção. É o pânico. O coração quer saltar da caixa torácica. O cérebro diz para correr ou lutar (fight ou flight (5)). Mas não há para onde ir. E depois aparece um ser humano a provocar.

Raios. A vida é lixada.

Mas não acaba aqui. Mais tarde ou mais cedo, com a ajuda de cavalos, espetaram-lhe tantas farpas nas costas que já perdeu demasiado sangue. Esta cansado. E nunca valeu a penas correr atraz de cavalos em recintos redondos. Só quando estiverem cansados é que há alguma hipótese. Mas eles revezam-se nas artimanhas. Há pegas de caras, mais provocações com o pano, e o sangue continua a escorrer. Menos sangue é menos oxigénio. Menos oxigénio é um cansaço tremendo. E depois eles espetam mais coisas nas costas.

A vida é mesmo lixada.

A força bruta contra a inteligencia

O recinto é desenhado para não ter por onde fugir para o bovino mas ter escapatórias para os homens. Permite ainda ao cavalo correr em círculos sem ser encurralado por obstáculos naturais. Está aqui a inteligencia da coisa. Claro que o cavaleiro ou toureiro também aprenderam andes de entrar na arena. Nada que vão fazer vai requerer muito da capacidade de reagir em novas situações que é a marca da casa da inteligencia.

Por outro lado o touro esta numa situação totalmente nova. A ele, o ser dito irracional, é que se pede que tenha inteligencia. Mas nem pedem isso. Pedem apenas que o seu sistema límbico aprisione todo o cérebro numa resposta de luta, tal como pode acontecer com um humano encurralado. Ou num paciente com stress pós traumatico.

E se o recinto fosse desenhado quadrado, com pequenos becos nos cantos e não dissessemos ao cavaleiro e ao toureiro. E se ensinassemos o touro (sim, eles aprendem) a ignorar a capa e apenas fazer mira ao corpo? E se o ensinassemos a por a cabeça de lado na pega de caras? Mas não dissessemos nada aos "valentes" da pega? Bem, deixem-me adiantar que eu me oporia a isto. É uma experiencia de pensamento(6) que eu penso que não precisa de ser executada realmente para servir de argumento. De que o que está em questão não é bem inteligencia. Essa foi usada à algum tempo antras quando o primeiro recinto quadrado deixou o espectáculo correrr para o torto e alguem percebeu que tinha de ser redondo. E quando cortaram as pontas dos cornos também mostraram alguma inteligencia. Mas quem copiou... Népia. Nem valentia. Só treta.

Os argumentos a favor da tourada - como refuta-los consistentemente.

A maioria dos argumentos a favor da tourada são apelos à tradição(7). Mas uma coisa não se torna boa só porque é repetida muitas vezes. A sociedade deve evoluir assim como a moral. A antiguidade por si não é um posto. Se não ainda andavamos a levar o pai para morrer no monte e a permitir a pedofilia.

Outra grande quantidade deles são apelos à popularidade (8). Mas só porque muita gente gosta de uma coisa não quer dizer que esteja correto. As coisas têm de ser discutidas e avaliadas por aquilo que são. Se não dar Cristãos de comer a leões está correto desde que haja um publico a apludir (9).

Outros argumentos muito ouvidos são algo como: " também torturas animais para comer" ou "so se deixares de comer é que podes falar". Bem, isto é falso. O que interessa não é o que faz ou deixa de fazer o interveniente da discussão. É se os argumentos são válidos ou não no que respeita ao caso. Se um fumador inisistir que fumar faz mal, ele estará a dizer a verdade na mesma quer fume quer não. E depois, um erro não justifica outro erro. Mesmo que não houvesse uma preocupação crescente com o bem estar animal na pecuaria, um argumento do genero: "temos muitos problemas logo não vale a pena resolver nenhum" é treta. Se não nunca fariamos nada. Ficavamos sempre infinitamente a resolver o mesmo problema até à prefeição.

E depois parece que pelo menos peixe, ovos e leite fazem falta na nossa alimentação. Não é como abdicar da empatia para desfrutar de um espectáculo de terror. Podemos sim, comer muito, mas muito menos carne, eventualemente deixar mesmo de comer carne de mamifero(10), sem que isso nos prejudique e minimizando o sofrimento animal. Mas mesmo que isto tivesse errado de todo, mesmo que a produção de alimentos fosse algo desnesseçario e deploravel na sua essencia, não é por isso que não devemos sempre apontar para fazer o melhor possivel, seja no que for.

E uma sociedade que respeita os animais, certamente respeitará ainda mais os outros animais de duas patas. Na realidade verifica-se que ha alguma correlação entre a preocupação do bem estar animal e o estado socio-economico do pais. Basta ver que paises mais ricos que nós proibem a tourada e têm mais cuidado com os seus animais. Se é porque podem acho bem. Mas a tourada não é porque nós não podemos, como em relação a aspectos da alimentação. É porque não so não queremos. Porque alguns não só não sentem empatia com os bichos como ainda tiram prazer no seu sofrimento.

E é nesta sociedade (em relação a este aspeto) que queremos educar os nossos filhos? É este tipo de mensagem que queremos dar? Que o sofrimento é aceitavel desde que se encotre uma explicação ad-hoc, inconsistente com tudo o resto? Desde que se possa dizer que já se faz há muito tempo? Desde que se possa dizer que muita gente gosta? Desde que se possa dizer que é tradição? E que faz parte da identidade de um povo... E têm orgulho nisso? Não arranjam nada melhor com que se identificarem? Tem de ser com um freak show troglodita?

Ouve uma altura em que era preciso matar para viver. Ainda hoje é. Alguns legados da evolução biologica são bons, outros maus. Acho que era altura de dar um passo evolutivo moral mais e abdicar da nessecidade de sangue e sofrimento e fazer disso uma regra consistente. Sofrimento? - so o que não puder ser evitado. Infelizmente o mundo não é perfeito. Mas não é por isso que não devemos tentar melhor.



(1) http://universityofcalifornia.edu/sites/uchealth/2010/07/02/human-brains-bird-brains/(2) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/01/corvo-aprefeicoa-ferramenta.html(3) http://plato.stanford.edu/entries/cognition-animal/#EmoEmp(4)http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/dualismo(5) http://en.wikipedia.org/wiki/Fight-or-flight_response(6) http://plato.stanford.edu/entries/thought-experiment/(7) http://www.csun.edu/~dgw61315/fallacies.html#Argumentum%20ad%20antiquitatem(8) http://www.csun.edu/~dgw61315/fallacies.html#Argumentum%20ad%20populum(9) esta não tive pachorra para encontrar a referencia. :P(10) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/precisamos-mesmo-de-carne-e-se-for.html

Leitura sugerida em outros blogues:

http://ktreta.blogspot.com/2010/09/treta-da-semana-patetico.html http://pensamentoalinhado.blogspot.com/2009/06/direitos-dos-animais.html

PS: Tecnicamente existe uma diferença entre sentir e saber que se sente. Ou seja, existe uma diferença entre sentir e ter consciência dessa sensação. Não creio que seja relevante para avaliar crueldade. A dor e o sofrimento estão lá. Também não me parece nada que a consciência seja algo que exista ou não exista. A investigação actual inclui pessoas que consideram haver graus de consciencia. Parece-me obvio que a vaca não tem o grau de consciencia do chimpanze que por sua vez não tem o mesmo grau de nos. Mas a proximidade é provavelmente muito maior entre nos e a vaca que entre a vaca e o peixe.

Publicada por Joao em 05:1